José Nuno Ferreira é um dos atletas mais ecléticos da US Elite Sports Agency. Triatlo, ski alpinismo e trail são as suas paixões e foi nesta última que viveu mais uma grande aventura. O atleta de Braga esteve presente numa das mais emblemáticas competições mundiais. O Ultra Trail Mont Blanc (UTMB) é uma prova de trail realizada nos Alpes com um percurso de 168km e quase 20km de desnível acumulado. A meca do trail é um grande desafio às capacidades físicas dos atletas. A preparação, as dificuldades e os sentimentos vão ser descritos nesta entrevista.
Quando é que percebeste que querias fazer o UTMB 2013?
JF: Depois de andar alguns anos a fazer caminhadas no Gerês, e já treinando triatlo, surgiu-me a ideia de fazer os mesmos percursos a correr. Em setembro de 2007 vi um resumo da prova na Eurosport e o grande Marc Olmo, um italiano de 53 anos, a vencê-la. A partir daí os dados estavam lançados. Para tentar concorrer à inscrição do UTMB tive que angariar pontos e acabei por fazer a Travessia Cavalls del Vent , um percurso localizado na Serra de Cadi/Moixeró (Catalunha), com cerca de 100km e de 6000metros (desnível positivo). Em 2008 a minha inscrição foi sorteada e em Agosto de 2008 era o único português na partida em Chamonix e o terceiro na história da prova (que teve a sua primeira edição em 2004).
Como correu a tua preparação e quantos meses foram de treino específico?
JF: A preparação foi algo conturbada porque em Fevereiro deste ano, desloquei o ombro esquerdo no Campeonato do Mundo de Ski-Alpinismo. Tive quase um mês em recuperação, ou seja, apenas a fazer exercícios de reforço muscular no ombro esquerdo e o regresso aos treinos foi feito muito paulatinamente para não ter surpresas. Estávamos já a escassos 4 meses e meio da prova.
A lesão que tiveste no campeonato do mundo de ski alpinismo atrasou a preparação, sentiste que não seria possível correr nas melhores condições?
JF: Tive algumas dificuldades porque comecei a correr ainda com fragilidades no ombro e acabei por desenvolver um pequeno problema de compensação na perna esquerda. Durante o mês de Abril fiquei com muitas dúvidas da minha participação, pois a dor na perna ia e vinha, mas depois de ter efectuado o Ultra Trail da Geira Romana a uma média quase de 10km/hora, tentei manter a calma e continuar com o treino e o acompanhamento fisioterapêutico.
O que sente um atleta na noite anterior, quando se deita e pensa: “vou fazer 168km a correr no Monte Branco com um desnível acumulado de 19 200 metros”?
JF: Estava algo ansioso porque era a terceira vez que ia participar e desta vez não queria falhar. Na edição de 2008 tinha desistido aos 120 km e em 2010 a prova foi cancelada aos 30 km devido às más condições climatéricas. Mas desta feita, devido à crescente experiência ganha noutras provas desde 2008 e a uma preparação mais específica, estava mentalmente apto e com muita vontade de fazer um grande percurso e ultrapassar a tal barreira psicológica dos 120km.
Quais eram as tuas expectativas para a corrida?
JF: Tinha projetado fazer a prova em 33 ou 34 horas. Consegui fazer a média horária prevista até aos 30km, mas devido a algumas vicissitudes próprias deste tipo de provas vi-me forçado a reequacionar o ritmo para poder terminar.
Quais foram os teus melhores e piores momentos da prova?
JF: Sem dúvida os 40/45km foram decisivos. Comecei a ter alguns problemas gástricos que me levaram a reduzir bastante o ritmo de prova e acabei por ter que vomitar aos 60km. A partir daqui andei cerca de 30km a chá e pão porque não conseguia comer açucares nem salgados o que influiu bastante no aporte calórico necessário para andar mais rápido. Fora esta situação, andei sempre animicamente bem-disposto, confiante e motivado para concluir esta aventura.
Concluíste a prova em 43:06:56 em 414º lugar entre os seniores masculinos, foi o resultado idealizado?
JF: De facto o resultado não foi o idealizado. Depois da crise gástrica e depois de ter passado a minha barreira psicológica dos 120km, juntei-me a três atletas Bascos. O nosso ritmo até aos 145km fazia-nos crer que poderíamos acabar a prova com 38 a 39 horas. O certo é que um dos companheiros Bascos teve uma inflamação forte de um tendão rotuliano e após uma avaliação médica num refúgio e alguma conversa de grupo decidimos concluir a prova juntos. A partir dos 145km até final tivemos quase sempre de andar a passo.
Podes descrever as sensações quando cruzaste a meta após quase 2 dias de corrida?
JF: É impressionante imaginares-te a entrar numa das vilas mais míticas dos Alpes, como é Chamonix, cheia de fãs de trail e do desporto de montanha a aplaudirem-te num frenesim como se fosses o primeiro atleta a cruzar a meta. É simplesmente soberbo.
Quais os objetivos da próxima época desportiva?
JF: Ainda estou a maturar a próxima época e terei que falar primeiro com o meu treinador (Urbino Santos). Sou uma pessoa com várias paixões desportivas e vejo-me dividido entre o Ski-Alpinismo, o Trail e o Triatlo. Como é óbvio o facto de não me conseguir dedicar exclusivamente a uma delas trás “prejuízos” em termos de performances mais relevantes mas eu adoro novos desafios.
Gostava de participar no Campeonato da Europa de Ski-Alpinismo de 2014, que se realizará para em Andorra. Quanto ao Trail, gostava de fazer uma prova que já me anda a perseguir á algum tempo que é o Ultra Trail de Andorra. Em relação ao Triatlo, tento ajudar a minha equipa Tribraga, tanto quanto possível, mas felizmente, a evolução dos nossos atletas tem sido bastante grande e o peso das minhas prestações na equipa é menor, o que me leva a pensar em dedicar-me só às provas de triatlo de BTT e aos triatlos de distâncias mais longas.